Oi, X, tudo bem?
Resolvi te escrever uma carta que, provavelmente, nunca chegará ao seu conhecimento. No próximo dia 29 de julho, completaríamos 16 anos de namoro, 14 anos de noivado e 12 anos de casados. Este será o primeiro 29 de julho separados… Se alguém nos dissesse isso há uma década, céus, nunca acreditaríamos. X, você partiu o meu coração. E os milhares de pedacinhos que continuam no meu peito sentem saudades de você, da vida que tínhamos juntos, dos nossos planos e, principalmente, do nosso amor. Como explicar pra mim mesma que ainda te amo? Eu tenho tanta raiva de mim… Às vezes beira ao nojo.
Agora, você tem um novo amor. Um cara que te chama de ‘Chuchuzinho’ (nosso filho pode ser indiscreto!). Lembra quando ríamos dos apelidos ridículos que as pessoas apaixonadas davam umas às outras? Lembra do ‘Tigrinho’ e da ‘Tigrinha’ que conhecemos naquele jantar desastroso? E nós só perdoávamos os nossos apelidos carinhosos, pois, aos nossos olhos, eram os únicos que faziam sentido… É tão bizarro, né? Hoje, você é o chuchu de um outro homem. Acredita nisso?
Preciso te dizer que a minha vida mudou muito e, paradoxalmente, quase nada desde que você se foi. Em tese, terminei o curso de Inglês e devo fazer o teste de proficiência para comprovar isto, mas não me sinto preparada. Ah! Mas consegui uma das coisas que você mais queria que eu conquistasse: minha carteira de motorista! Sim, se estivesse ao meu lado, eu poderia finalmente ser a sua chofer, para ‘pagar’ todos os anos em que você me guiou (e que tanto reclamava)…
Também perdi peso, ganhei muitos cabelos brancos, comprei muitos livros… Achei e perdi Deus tantas vezes quanto a certeza de que te superei. Ando dormindo muito (algo que te escandalizaria). Choro muito menos, mas ainda choro. Criei uma mania muito estranha: falo para pessoas aleatórias, até mesmo completos estranhos, que sou divorciada e que o meu ex-marido é gay. Quando acabo de falar, me arrependo. O que será isso?
Não, não estou ficando louca. Sei lá… Acho que estou ainda meio sem chão. Para o tédio, descrença e desalento dos poucos que convivem comigo. Você sabe que as pessoas sempre me viram como alguém ‘forte’ e ‘guerreira’, né? Enfim, acho que elas esperavam que eu já tivesse metido na cabeça, e na alma, que você se foi e nunca mais voltará. Mas descobri que isso leva tempo e esforço e, você sabe, sou impaciente e indisciplinada…
Nossa casa aparentemente continua a mesma. Mas está cinza e não é mais nossa. É só um lugar. Não é mais um lar. Eu quero reconstruir um lar para mim e para o nosso filho, mas não tenho ideia de como fazer isto. Quero voltar a cozinhar. Quero aproveitar todo este espaço que você desocupou para preencher de coisas boas… Mas não sei por onde começar. Nem como. Era você quem me ajudava a fazer isto, lembra? A dar estrutura às minhas ideias.
Muitas vezes tenho curiosidade de saber se o seu namorado cozinha, se ele te faz rir como eu fazia, se ele responde – de pronto – àquelas suas perguntas infantis sobre qual roupa vestir. Sei que ele é jornalista, então, você deve enviar os seus textos para que ele opine sobre os mesmos, como você fazia comigo. E ele talvez não fique impaciente, e diga, carinhosamente, que você fica melhor de vermelho. E que o seu texto está ótimo. Diferente de mim, que preferia você de azul e sempre reclamava das frases artificais e empoladas… Você deve estar muito mais feliz, não é, X? Que bom. Sério. Que bom mesmo. Sei que quanto mais você estiver feliz, com o seu novo amor, mais fácil será para mim te esquecer. Então, por favor, seja escandalosamente feliz.
Você sabe que eu adoro ler. Ultimamente, tenho lido muito sobre amor, identidade, sexualidade, educação, personalidade, traumas, divórcio, bem, mal… Tenho lido sobre a fé. Você também tinha a noção de que tudo o que entra no meu coração primeiro tem que passar pelo meu cérebro. Por isso, inclusive, tem sido tão difícil te superar. Pois eu te coloquei racionalmente no meu coração. Pedaço por pedaço de quem eu achava que você era. Pena que eu não te conhecia. Não sabia dos seus segredos ou dos segredos do seu sangue. Tantas coisas que passamos e só agora se encaixam… Sinto-me tão burra ao fazer a retrospectiva da nossa história e finalmente ver a sua infelicidade (e as suas mentiras). E eu sinto muito por isso, X. Por nós dois. Pela minha cegueira. Eu DEVERIA ter visto.
Sabe, as leituras que tenho feito têm lançado luz sobre uma série de coisas, inclusive, confirmam cada vez mais a crença de que a maioria das pessoas – entre elas os tais ‘especialistas’ – não sabe nada. Sorry, mas estamos tateando no escuro. Os livros e a vida têm me ajudado a descobrir que o amor também não nos protege. Ele não é um campo de força intransponível. Descobri que você pode trair a quem ama. Que pode mentir para quem ama. Que pode tramar contra quem ama. Que você pode até odiar a pessoa que você ama. Aquele amor que a Bíblia cita, que cobre uma multidão de pecados, não é o amor entre um homem e uma mulher (ou entre um homem e um homem ou uma mulher e uma mulher). É o amor pela humanidade. É a fraternidade desapegada. Algo muito além do amor romântico. Sim, eu sei disso. Mas apenas hoje.
Quero que você saiba que estou tentando me cuidar. Estou lutando para me descobrir, do mesmo jeito que você. E já dei um passo adiante. Espero que você me perdoe por ter pedido à sua mãe que me deixe ir e que, por favor, entenda que não somos mais uma família. Desculpe-me, mas deletei e bloqueei sua família e amigos no Face. Não sou modelo de bons procedimentos, X, você me conhece. Mas outra coisa que aprendi com essa experiência, e até com a sua decisão, foi de não colocar os sentimentos dos outros acima dos meus. Interagir com essas pessoas me faz mal, então… Obrigada pela lição.
Também quero que toda a culpa que você talvez sinta pelo meu sofrimento se desvaneça. Que vá sumindo concomitante ao meu ‘amor’ por você. Não nego que em muitos momentos quero que você sofra horrores, seja traído e trocado, mas, ao final, quero mesmo é não dar nenhuma bola para a sua nova história. Nem para a velha. E o que eu mais quero no mundo, e torço para que você me ajude nesta tarefa, é criar o nosso filho sem hipocrisia. Sem segredos. Com a total noção de si mesmo, diferente de como eu e você fomos criados (que irônico, não é? Tanto os meus pais analfabetos, quanto os seus pais ‘doutores’ fracassaram miseravelmente neste quesito).
Por fim, saiba que apesar de descobrir que o casamento que vivi com você não foi o mesmo que você viveu comigo, sei, com certeza, que tivemos muitos bons momentos. Você foi a primeira pessoa no mundo a me enxergar e a me fazer feliz. Você me deu o nosso filho. Como te agradecer por isso? E só isto, X, apenas isto, já é o suficiente para te querer bem – com o amor citado pela Bíblia – pra sempre. E é nesta lição difícil que estou no momento: a de aprender a te amar apesar.
Adeus, X. Seja feliz.